Israel testa terapias com ecstasy contra estresse pós-traumático


Entre as substâncias ministradas a dezenas pacientes de um programa de recuperação está o MDMA, nome técnico da droga. Embora testes tenham levantado muitas esperanças no mundo da medicina, será preciso mais para conhecer com precisão os efeitos dessas terapias Pixabay Vítima de violência sexual, Nachum Pachenick viveu um inferno por 20 anos, preso nos sintomas do transtorno de estresse pós-traumático e incapaz de levar uma existência serena até que experimentou um tratamento com MDMA, a molécula do ecstasy. "Era uma vida cheia de estresse, pressão, nervosismo, ansiedade, fadiga", conta o israelense de 46 anos em sua casa em Sde Boaz, uma colônia não aprovada pelo governo israelense localizada na Cisjordânia ocupada, ao sul de Jerusalém. "É impossível viver assim". Em 2014, Pachenick viu uma saída: passou a participar de testes clínicos para tratar o transtorno de estresse pós-traumático. Entre as substâncias que foram ministradas a ele, bem como a dezenas de outros pacientes, o MDMA. Pachenick participou da segunda fase de uma série de três testes conduzidos em vários países pela Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (MAPS). Esta associação da Califórnia espera obter a aprovação da Agência Americana de Medicamentos (FDA) para sua terapia a partir de 2021. Efeitos colaterais Os resultados das duas primeiras fases foram "extraordinários", diz a Dra. Keren Tzarfaty, psicóloga que forma médicos para a MAPS em Israel. "Um ano após o término do tratamento, vemos que 68% das pessoas que receberam uma terapia incluindo MDMA não têm mais transtorno de estresse pós-traumático, ou não são mais definidas como portadoras dessa patologia", afirma Tzarfaty. Essas taxas são ainda mais impressionantes, porque "as pessoas que vieram nos ver tinham tentado de tudo", em vão, observa ela, em sua espaçosa clínica em Hod Hasharon, no centro de Israel. Embora esses testes tenham levantado muitas esperanças no mundo da medicina, alguns advertem que será preciso mais para conhecer com precisão os efeitos dessas terapias, especialmente porque a amostra estudada em Israel - 14 pessoas - é relativamente baixa. Após a publicação em 2018 pela "The Lancet Psychiatry" de um estudo que sugeria ecstasy para soldados traumatizados, os pesquisadores expressaram suas reservas sobre uma generalização da molécula em tratamentos psiquiátricos. Este estudo também destacou a presença em alguns participantes de efeitos adversos conhecidos do MDMA: depressão, ansiedade, dor de cabeça, exaustão, tensão muscular e insônia, entre outros. Esses experimentos também apresentam uma questão ética importante, já que hoje é proibido administrar MDMA, uma substância que alimenta um importante tráfico de drogas. A terceira e última fase de testes para o MAPS começou em meados de 2019. Em Israel, porém, a demanda é muito maior do que os 14 lugares previstos. O sucesso do MAPS levou o Ministério da Saúde a autorizar seus próprios testes para o tratamento baseado em MDMA. Um programa piloto foi aberto para "50 pessoas que sofrem de estresse pós-traumático e resistentes a outras formas de tratamento", explica a dra. Bella Ben Gershon, responsável pelo estudo. Obrigação moral Tzarfaty treinou 30 médicos israelenses para trabalhar nessas terapias, incluindo o MDMA, uma substância criada em 1912 pelos laboratórios alemães Merck. Estes ensaios fazem parte do "renascimento", há uma década, das pesquisas sobre substâncias psicodélicas e seu uso na Psiquiatria. O MDMA reforça o sentimento de comunhão, "remove todas as defesas", observa Ben Gershon. Esta droga desencadeia nos pacientes alegria e empatia, duas emoções que eles precisam para começar a tratar o trauma em psicoterapia, de acordo com Tsarfaty. A maioria dos israelenses que participaram dos testes clínicos sofreu trauma relacionado à agressão sexual. Mas em um país que passou por vários conflitos armados e onde o serviço militar é obrigatório, as taxas de estresse pós-traumático são mais altas do que em outros lugares, observa Ben Gershon. O governo tem, portanto, a obrigação moral de tentar aliviar aqueles que sofrem, diz Tzarfaty. O tratamento experimental se divide em 12 a 15 sessões, sob a supervisão de dois profissionais de saúde, um homem e uma mulher. O MDMA é administrado na forma de pílula em um ambiente controlado e em duas ou três sessões para permitir que os pacientes se abram para si mesmos e para os outros. O ensaio clínico liberou Nachum de seus principais demônios. "O tratamento me colocou de volta nos trilhos, mas, mais profundamente, me levou para casa, para mim", explica. "Estou muito mais calmo hoje, tenho uma família que é muito querida para mim. Antes, tudo era muito instável", contou.

Fonte: Globo.com
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