Desafios do envelhecimento LGBT mobilizam profissionais de saúde


Tema foi destaque em congresso de geriatria e gerontologia realizado no Rio Na semana passada, o X Congresso de Geriatria e Gerontologia do Rio de Janeiro (GeriatRio 2019) foi palco, durante três dias, de discussões sobre os temas que mais instigam os profissionais da área. Nesta e nas próximas colunas, pretendo compartilhar um pouco do que vi e ouvi, e começo pela questão LGBT, que lotou a sala de conferência. A médica Roberta Barros da Costa Parreira, mestre em epidemiologia e geriatra da Policlínica Piquet Carneiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, afirmou que a comunidade LGBT sofre duplo preconceito: além da discriminação social, a falta de qualificação da rede de saúde afeta o atendimento. “Na verdade, como o padrão presumido é o da heterossexualidade, o profissional de saúde nem costuma perguntar qual é a orientação sexual da pessoa”, disse. A discriminação e a violência às quais estão expostas essas pessoas têm consequências dramáticas: o risco de depressão é cinco vezes maior, assim como de manifestações de disfunções sexuais, distúrbios alimentares, abuso de substâncias psicoativas e isolamento social. No ambiente social, com frequência a rede de suporte familiar é comprometida, porque o jovem ou adulto LGBT se afasta, mas a lista de problemas não para aí. A homofobia impacta a escolaridade – muitos abandonam os estudos por causa do bullying – e faltam locais de lazer acolhedores. Quando envelhecem, gays e lésbicas acabam não recebendo benefícios previdenciários quando o cônjuge morre e, se são obrigados a se recolher a instituições de longa permanência, enfrentarão novos preconceitos. Yone Lindgren, ativista e consultora em direitos humanos e diversidade: “sou uma exceção” Mariza Tavares A doutora Roberta Parreira preferiu abrir a palestra com um assunto ainda menos visível: a homossexualidade e bissexualidade femininas. Mostrou que, de acordo com o dossiê da Coordenação de DST/Aids do Ministério da Saúde, entre as mulheres heterossexuais, a cobertura de exames preventivos realizados nos últimos três anos é de quase 90%; entre as lésbicas e bissexuais, não chega a 67%. “Cerca de 40% não revelam sua orientação sexual. Entre as que revelam, 28% afirmam que, depois disso, o atendimento é feito de forma mais rápida”, lamentou. Esse grupo acaba tendo risco aumentado para câncer de mama, colo de útero e ovário, porque se submete a um menor número de exames para o rastreio da doença. Os motivos? Medo da discriminação e também a negação do risco: como o sexo é feito com outras mulheres, muitas acham que estarão menos expostas ao câncer no colo do útero, por exemplo. “Deixamos de alertar essas mulheres em relação ao uso de proteção para o sexo seguro: há recursos como calcinhas de látex e o uso de luvas para penetração com dedo”, explicou a médica. O quadro é ainda mais grave para o grupo trans. Constrangimento e atendimento discriminatório acompanham os transexuais, cuja expectativa de vida é muito baixa, em torno de 35 anos. A utilização de hormônios e de silicone industrial traz efeitos adversos e os profissionais de saúde não se sentem preparados para atender uma mulher que tem próstata e inclusive pênis, se não tiver realizado cirurgia de redesignação sexual. Por isso o depoimento da fotógrafa e ativista Yone Lindgren foi tão aplaudido. Aos 63 anos, ela é consultora em direitos humanos e diversidade e contou por que é uma exceção: “estou aqui para falar da realidade da população que represento, mas sou branca, estudei o quanto quis, moro na Zona Sul carioca e adotei meus filhos. Sou uma exceção de uma parcela que é calada, perseguida e, quando envelhece, perde sua identidade sexual. Acaba tendo que voltar para o armário se tiver que morar com a família ou ficar numa instituição”. Yone utiliza a expressão LGBTI+ para incluir os intersexuais, que nascem com variações na anatomia reprodutiva ou sexual, e outras orientações. Diversos relatos partiram da própria plateia. O médico Wilson Jacob Filho, professor titular de geriatria da Faculdade de Medicina da USP, compartilhou um caso ocorrido no Hospital das Clínicas da universidade: “duas senhoras se encontravam internadas na enfermaria. Ao final da visita, uma delas foi beijada por sua cônjuge, e essa demonstração de carinho provocou uma forte reação da outra idosa e sua família. Os profissionais de saúde que estavam ali também não souberam lidar com a situação e isso nos serviu de lição sobre a necessidade de educação continuada para toda a equipe”.

Fonte: Globo.com
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